A relação com o corpo humano é marcada por contrastes. Isso se reflete na sociedade e também nas experiências individuais.
Muitos se encantam com a própria aparência e buscam aprimorá-la ao máximo. O corpo deve não apenas sentir-se bem, mas também apresentar a melhor estética possível. Para isso, valem exercícios intensos, dietas rigorosas, rotinas de sono controladas e, em alguns casos, até intervenções cirúrgicas. Esse apego à imagem pode rapidamente se transformar em uma forma de adoração a si mesmo, e a cultura contemporânea oferece inúmeros meios para que essa valorização do físico se torne o centro da identidade pessoal.
Por outro lado, há aqueles que enfrentam grande insatisfação com o próprio corpo. O reflexo no espelho pode parecer uma causa perdida. Alguns, inclusive, sentem-se pertencentes a um gênero diferente daquele com que nasceram. Nessas situações, o corpo pode ser visto como um obstáculo, algo que limita e frustra. Em casos extremos, a cirurgia é considerada uma solução. Para muitos, no entanto, a internet oferece alternativas, permitindo a construção de avatares e perfis meticulosamente elaborados para criar uma versão idealizada de si mesmos. No fim, seja pela modificação física ou pela reconfiguração digital, o culto à própria imagem permanece.
No entanto, há um chamado para um caminho diferente, que conduz da escuridão para uma nova perspectiva. A fé convida à transformação, tanto do corpo quanto da alma, por meio da ação silenciosa e poderosa do Espírito Santo.
Mesmo assim, as influências e desafios do mundo não deixam de exercer impacto. Há lutas e dificuldades que podem enfraquecer a alma e obscurecer a alegria. Essa tensão entre a aceitação e a insatisfação com o corpo não é exclusiva do presente; ao longo da história, muitos enfrentaram dilemas semelhantes.
Corpo versus Alma
Historicamente, uma das tendências mais comuns entre os cristãos tem sido a de subestimar o corpo físico, atribuindo maior importância à alma. Essa visão tem uma origem compreensível, pois parte de um princípio válido. O cristianismo apresenta verdades extraordinárias sobre a alma humana, o que faz com que muitos, ao longo das mais diversas tradições teológicas, acabem dando menor atenção ao cuidado com o corpo. O próprio apóstolo Paulo reconhece que “o exercício físico é de algum valor, mas a piedade tem valor para tudo” (1 Timóteo 4:8).
O treinamento do corpo, por meio da alimentação, do descanso e da prática de atividades físicas, tem benefícios limitados a esta vida. No entanto, a piedade — que envolve maturidade espiritual e conformidade com Cristo tanto na alma quanto no corpo, por meio da ação do Espírito — possui um impacto que transcende o presente e se estende à eternidade. Quando comparadas, as duas esferas deixam evidente que a busca pela piedade ultrapassa em muito o valor do cuidado meramente físico.
Ainda assim, mesmo que sua origem seja compreensível, a negligência ou a desvalorização do corpo não condiz com os princípios cristãos. A humanidade foi criada à imagem de Deus, tanto em corpo quanto em alma, sendo “formada de modo assombrosamente maravilhoso” (Salmos 139:14), ainda que sujeita ao pecado e à maldição imposta sobre toda a criação. Além disso, o próprio Espírito de Deus habita naqueles que estão em Cristo. O Novo Testamento apresenta a esperança de que a verdadeira forma de honrar a Deus não está em rejeitar o corpo humano, mas em desfrutar da comunhão com Ele — e, assim, glorificá-Lo — por meio do próprio corpo.
O Corpo a Serviço da Alma
Diante dos equívocos recorrentes sobre o corpo, há um caminho distinto, muitas vezes ignorado, mas claramente ensinado pelo apóstolo Paulo em suas cartas. Essa perspectiva foi reconhecida por figuras como Francisco de Assis e, séculos depois, exaltada por C.S. Lewis. Lewis relembra que Francisco chamava o corpo de “Irmão Jumento”, uma expressão que ele próprio defendeu:
“Jumento é uma escolha de palavra perfeita, pois ninguém em sã consciência pode nem reverenciar nem odiar um burro. É um animal útil, resistente, preguiçoso, obstinado, paciente, amável e, às vezes, exasperante; ora merece o cajado, ora a cenoura. É ao mesmo tempo patético e absurdamente belo. O mesmo se aplica ao corpo.” (Os Quatro Amores, p. 93)
Para aqueles que seguem a fé cristã, o corpo é uma criação magnífica, digna de cuidado, mas não de adoração. Pode ser motivo de afeto, como um irmão, e ao mesmo tempo desafiador, como um jumento teimoso. De fato, ele pode ser descrito como “patético e absurdamente belo”, mas a característica mais marcante apontada por Lewis é sua utilidade.
A utilidade do corpo humano está no fato de conceder habilidades preciosas, como ver, ouvir, cheirar, saborear, tocar, levantar, puxar e mover-se. A posse de um corpo saudável representa uma riqueza incomparável. Afinal, que valor teria a visão para alguém cego? O que um surdo daria pela capacidade de ouvir? No entanto, sem a orientação da fé, essas habilidades podem apenas servir para afastar a alma de Deus. Mesmo entre os que creem, o corpo pode se tornar um meio de distração e desvio.
Diante disso, surge a questão: de que forma o corpo pode ser útil na vida cristã e na busca pela verdadeira alegria espiritual em Deus?
O Impacto Significativo
O livro When I Don’t Desire God é descrito pelo próprio John Piper como sua obra “mais prática”. Nele, o autor aborda de maneira objetiva as dinâmicas cotidianas envolvidas na busca pela alegria em Deus, enfatizando o papel central das Escrituras, da oração e da comunhão com a igreja local.
No entanto, um aspecto que pode surpreender os leitores é o tema do penúltimo capítulo: “Como utilizar o mundo na luta pela alegria”. Nesse trecho, Piper explora a relação entre causas físicas e efeitos espirituais, analisando especificamente “como usar o mundo das sensações físicas para propósitos espirituais” (p. 182).
A expressão mundo, nesse contexto, refere-se tanto à beleza da natureza quanto às manifestações artísticas e culturais, como música, poesia e literatura, além dos elementos comuns do cotidiano. Um aspecto essencial desse uso do mundo é a forma como o próprio corpo humano é empregado:
“O uso adequado ou inadequado do corpo pode ter um grande impacto na forma como se experimenta a realidade espiritual. […] Uma alimentação equilibrada, a prática de exercícios e o descanso adequado exercem um efeito significativo sobre a mente e sua capacidade de perceber tanto a beleza natural quanto a verdade bíblica” (p. 78).
Diante disso, surge a questão: quais são esses impactos e como podem ser utilizados na busca pela verdadeira alegria cristã? Para responder a essa pergunta, pode-se recorrer às próprias orientações de Paulo sobre a mesa de refeição e o leito conjugal, aplicando os mesmos princípios ao descanso e à prática de exercícios.
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Alimentação e Casamento
A menção de Paulo ao “treinamento do corpo” em 1 Timóteo 4:8 não surge isoladamente. No parágrafo anterior, ele alerta Timóteo sobre falsos mestres que, sob influência maligna, proibiam o casamento e a ingestão de certos alimentos. Esses mestres adotavam um ascetismo rígido, rejeitando os prazeres legítimos da alimentação e da intimidade conjugal. Como resposta, Paulo contrapõe essas proibições com duas verdades fundamentais: criação e consagração (1 Timóteo 4:1–5).
- Criação: Deus é o criador do alimento e do casamento, e seu propósito é que aqueles que creem e conhecem a verdade os recebam com gratidão. Sendo o Criador, Ele concede todas as coisas. Como criaturas, a resposta apropriada é desfrutar desses dons com reconhecimento, louvando-O por sua bondade.
- Consagração: O desfrute dos dons de Deus deve ocorrer (1) de acordo com as orientações do próprio Deus sobre a alimentação e a sexualidade (“pela palavra de Deus”) e (2) em diálogo com Ele, por meio da oração (“e pela oração”). Essa oração envolve tanto gratidão quanto o pedido para que esses dons sejam santificados, ou seja, que seu uso seja conduzido de maneira santa e edificante, suprindo tanto as necessidades físicas quanto espirituais. Dessa forma, refeições e relacionamentos conjugais são dedicados a Deus, permitindo que sejam utilizados para propósitos superiores aos benefícios meramente terrenos.
A partir desse princípio, é possível desenvolver hábitos de leitura das Escrituras e oração que não apenas aperfeiçoam a compreensão sobre a alimentação e o casamento, mas também ajudam a transformar esses aspectos físicos da vida em meios para o crescimento da alma, em vez de se tornarem obstáculos espirituais.
Sono e Exercício
Essa compreensão pode ser ampliada para incluir o descanso e a atividade física. John Piper incentiva o uso correto do mundo físico como um meio de intensificar e tornar mais constante a alegria espiritual (p. 183).
Esse conceito pode parecer surpreendente. A busca pela alegria em Deus não se limita apenas à leitura das Escrituras, à oração e à adoração comunitária. O corpo também pode desempenhar um papel essencial nessa jornada, sendo utilizado de maneira que contribua para um relacionamento mais profundo com Deus.
No que diz respeito ao exercício físico, Piper observa que “a prática consistente de exercícios tem efeitos refinadores sobre a estabilidade mental e emocional” (p. 203). Embora a atividade física, por si só, não gere alegria espiritual, ela pode, de fato, favorecer esse estado. Movimentar-se regularmente traz benefícios que vão além do físico, alcançando também a esfera espiritual, contribuindo para maior equilíbrio e clareza mental.
O mesmo princípio se aplica ao sono. Embora existam momentos e fases específicas da vida que exigem uma redução nas horas de descanso — como no caso de pais de recém-nascidos —, poucos outros cenários justificam a negligência desse aspecto fundamental da existência humana. O fato de que o ser humano precisa dormir não é um defeito, mas uma característica intencional da criação. A boa administração do corpo exige o devido descanso, e um sono adequado pode ser um aliado na busca pela alegria espiritual.
Piper destaca essa realidade ao afirmar:
“Para mim, dormir o suficiente não é apenas uma questão de manter a saúde. É uma questão de permanecer no ministério — ouso dizer que é uma questão de perseverar como cristão. Sei que é irracional que o futuro pareça tão sombrio quando durmo apenas quatro ou cinco horas por várias noites seguidas. Mas, racional ou irracional, esse é um fato. E preciso viver dentro dos limites da realidade” (p. 205).
Deus criou o ser humano para desfrutar de seus dons, como a alimentação e o casamento, mas também para experimentar os desafios e os benefícios do exercício físico e da recuperação proporcionada pelo sono. Esses elementos foram projetados para tornar corpo e mente mais aptos a perceber a glória de Deus (p. 199). O corpo, portanto, desempenha um papel fundamental na busca pela verdadeira alegria.
Referência: DesiringGod

Sou Bruna Souza, redatora apaixonada pela Palavra de Deus. Escrevo para inspirar e fortalecer a fé, trazendo reflexões claras e acessíveis sobre a Bíblia. Meu objetivo é ajudar leitores a compreenderem as Escrituras e aplicarem seus ensinamentos no dia a dia, promovendo crescimento espiritual e conexão com Deus.