Seria Este o versículo mais constrangedor da Bíblia?

Este versículo bíblico tem gerado questionamentos entre cristãos e sido utilizado por críticos para questionar a confiabilidade das palavras de Cristo. No trecho em que Jesus fala sobre sua volta e afirma: “Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas essas coisas aconteçam” (Mateus 24:34), surge a dúvida: Ele acreditava que sua segunda vinda ocorreria antes da morte daqueles que o ouviam?

À primeira vista, essa interpretação parece plausível.

O filósofo cético Bertrand Russell defendia essa ideia. Em seu ensaio Por que não sou cristão, ele argumentou que Jesus teria cometido um erro ao prever sua volta ainda no tempo de seus contemporâneos, afirmando: “Ele certamente pensava que sua segunda vinda ocorreria em nuvens de glória antes da morte de todas as pessoas que viviam naquela época. Há muitos textos que provam isso.”

C. S. Lewis reflete sobre as ideias de Bertrand Russell em seu ensaio The World’s Last Night, ao apresentar a perspectiva de um cético:

“As crenças apocalípticas dos primeiros cristãos foram provadas falsas. Está claro, a partir do Novo Testamento, que todos esperavam a segunda vinda em sua própria geração e, pior ainda, tinham um motivo para isso – um motivo que pode ser bastante embaraçoso. Seu mestre lhes disse isso. Ele compartilhou e, na verdade, criou essa ilusão. Ele afirmou, com todas as letras: ‘Esta geração não passará sem que todas essas coisas aconteçam.’ E ele estava errado.”

Em seguida, Lewis retorna à sua própria voz e faz uma afirmação surpreendente:

“Certamente, este é o versículo mais constrangedor da Bíblia. No entanto, é intrigante que, apenas 14 palavras depois, apareça a declaração: ‘Mas quanto àquele dia e àquela hora, ninguém sabe, nem os anjos no céu, nem o Filho, mas apenas o Pai.’ A exibição de um erro e a confissão de ignorância aparecem lado a lado. Que essas palavras tenham sido ditas pelo próprio Jesus, e não apenas organizadas dessa forma pelo autor do evangelho, não há razão para duvidar.”

Essa questão levanta desafios. Se Jesus desconhecia certos aspectos do futuro, isso poderia indicar que Ele não era Deus, como ensina a doutrina cristã tradicional. Mais problemático ainda seria a possibilidade de Ele não apenas desconhecer algo, mas estar equivocado em sua afirmação.

Se Jesus estivesse errado sobre sua própria segunda vinda, em que mais poderia ter se enganado?

Diante desse dilema, qual a melhor abordagem? Talvez o caminho seja analisar a questão desde o início e aprofundar a compreensão sobre o verdadeiro significado dessa passagem.

O que Jesus sabia?

A visão tradicional do cristianismo afirma que Jesus é o Filho de Deus e, portanto, sem pecado, infalível e de essência divina. No entanto, há quem conteste essa posição. O cético Bart Ehrman, por exemplo, escreveu o livro How Jesus Became God, onde argumenta que os escritores do Novo Testamento e a Igreja criaram a ideia da divindade de Jesus. Como contraponto, a obra How God Became Jesus apresenta uma refutação a essa tese.

Em uma entrevista ao Boston Globe, Ehrman resumiu sua argumentação ao afirmar:

“O problema é que Jesus apenas faz afirmações sobre sua própria divindade no Evangelho de João… Mas o que estudiosos há muito tempo observam é que Jesus não diz nada disso em Mateus, Marcos e Lucas, e que esses evangelhos foram escritos muito antes de João… O que argumento no livro é que seria praticamente inconcebível que, caso fosse sabido que Jesus se autoproclamava Deus, Mateus, Marcos e Lucas simplesmente deixassem isso de fora.”

No entanto, essa afirmação pode ser contestada, pois há diversas passagens nos evangelhos sinóticos e no restante do Novo Testamento que indicam a divindade de Jesus. Um artigo específico aborda esse ponto, demonstrando como essa ideia está amplamente presente nos textos bíblicos.

Diante disso, se a Escritura ensina que Jesus é Deus, como explicar os versículos que levaram um dos principais pensadores cristãos do século XX, C. S. Lewis, a afirmar que Jesus estava errado e demonstrava ignorância quanto à sua própria volta?

Em Mateus 24:34, onde Jesus diz: “Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas essas coisas aconteçam”, a questão central está no significado do termo “geração”. A palavra grega genea pode se referir a um grupo de pessoas da mesma linhagem, ao total de indivíduos nascidos dentro de um determinado período ou a uma era específica.

Embora os comentaristas bíblicos tenham diferentes interpretações sobre o significado de genea, nenhum, ao que parece, acredita que a palavra se refira exclusivamente às pessoas vivas naquele momento. Isso porque “todas essas coisas” mencionadas por Jesus no capítulo não ocorreram naquela época e ainda não se cumpriram completamente. Além disso, Jesus já havia declarado que o Reino havia sido retirado daquela geração e que eles não o veriam (Mateus 21:43), o que reforça a ideia de que Ele não estava se referindo aos ouvintes de sua época.

Diante disso, alguns estudiosos, como o teólogo Charles Ryrie defendem que genea se refere à raça judaica. Outros, em maior número, argumentam que Jesus falava sobre aqueles que estariam vivos no tempo em que todos os eventos descritos, relacionados ao período da Grande Tribulação, ocorreriam. Ambas as interpretações são possíveis, mas o ponto central é que, considerando as declarações anteriores de Jesus em Mateus, o texto não indica que Ele estivesse falando apenas das pessoas que viviam no primeiro século.

Em outras palavras, Jesus não estava errado em sua declaração.

Quanto à afirmação: “Mas a respeito daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão o Pai” (Mateus 24:36), e à questão do conhecimento de Jesus na terra, essa passagem remete ao mistério da Encarnação. A melhor abordagem é analisar o que a própria Bíblia revela sobre esse tema.

O texto bíblico indica que Jesus passou pelo processo natural de crescimento humano e “crescia em sabedoria” (Lucas 2:52). Além disso, Ele voluntariamente abriu mão de alguns atributos divinos, como a onisciência, durante a kenosis — conceito descrito em Filipenses 2:7: “mas esvaziou-se a si mesmo, assumindo a forma de servo, tornando-se semelhante aos homens.”

A Escritura também ensina que, enquanto esteve na terra, Jesus conhecia apenas aquilo que o Pai lhe revelava. O Antigo Testamento já havia profetizado essa realidade:

“Suscitar-lhes-ei um profeta do meio de seus irmãos, semelhante a ti, em cuja boca porei as minhas palavras, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar.” (Deuteronômio 18:18)

O próprio Jesus reforçou essa ideia ao afirmar:

“Nada faço por mim mesmo, mas falo como o Pai me ensinou.” (João 8:28)

“Porque eu não falei por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, ele me deu mandamento sobre o que dizer e o que anunciar.” (João 12:49)

Dessa forma, é evidente que, durante sua vida terrena, Jesus não tinha acesso ao conhecimento exato sobre o momento de sua volta. No entanto, ao retornar à sua glória, Ele retomou plenamente sua onisciência.

Embora C. S. Lewis tenha sido um grande pensador cristão, sua interpretação dessa questão pode ter sido equivocada. No fim das contas, não há nada de embaraçoso nas palavras de Jesus sobre sua volta e a “geração” que testemunharia esses eventos.

Referência: The Christian Post

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