Por que Os cristãos progressistas devem ler a Bíblia

A Bíblia tem sido um livro central para diversas tradições cristãs, frequentemente tratada como uma autoridade absoluta e inquestionável. Em muitas comunidades, desde a infância, os fiéis são incentivados a lê-la de maneira literal, considerando cada evento como historicamente preciso e cada ensinamento como uma regra infalível para a vida. Esse tipo de abordagem, por um lado, pode oferecer um senso de segurança e estrutura, mas, por outro, pode limitar questionamentos e dificultar uma interpretação mais ampla e contextualizada das Escrituras.

A crença na Bíblia como um manual definitivo para a vida é reforçada por ideias amplamente difundidas em algumas comunidades, como a sigla B-I-B-L-E, interpretada como “Basic Instructions Before Leaving Earth” (“Instruções Básicas Antes de Deixar a Terra”). Esse entendimento, no entanto, pode se tornar insustentável à medida que novas informações, perspectivas acadêmicas e experiências pessoais desafiam a interpretação literalista. A transição para uma visão mais crítica das Escrituras pode ser um processo difícil, levando algumas pessoas a se sentirem enganadas e, consequentemente, a se afastarem completamente da leitura bíblica.

O afastamento da Bíblia muitas vezes ocorre quando se percebe que ela não é um conjunto homogêneo de regras inquestionáveis, mas sim uma coleção de textos diversos, escritos em diferentes períodos históricos e por autores com distintas visões sobre Deus e a fé. Esse entendimento abre espaço para uma abordagem mais matizada, na qual o texto bíblico é visto não apenas como uma fonte de instrução moral, mas também como um registro do relacionamento humano com o divino, permeado por erros, acertos, dúvidas e descobertas.

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A teologia e a filosofia frequentemente abordam a ideia de uma “segunda ingenuidade” na vivência da fé. O filósofo Paul Ricoeur descreve esse conceito como um retorno renovado à fé, após um período de questionamento e desconstrução, mas agora de maneira mais madura e consciente. Richard Rohr complementa essa visão ao afirmar que essa nova fase permite continuar na jornada espiritual sem cair em ressentimentos ou rupturas definitivas. Nesse contexto, a Bíblia pode ser reencontrada não como um instrumento de imposição dogmática, mas como um espaço aberto para reflexão e diálogo com Deus.

No entanto, há uma tendência entre alguns cristãos progressistas de evitar esse processo, optando pelo distanciamento em vez da ressignificação das Escrituras. Isso pode resultar em um desconhecimento bíblico que limita a capacidade de engajamento em debates contemporâneos. Em um cenário onde a Bíblia continua sendo amplamente utilizada como justificativa para diversas questões sociais, ignorá-la pode ser um erro estratégico. Compreender suas mensagens e nuances é essencial para participar das discussões sobre ética, direitos humanos e justiça social de maneira fundamentada e informada.

A leitura da Bíblia, nesse sentido, não deve ser abandonada, mas resgatada sob uma nova perspectiva. Em vez de ser encarada como um código rígido de regras, pode ser vista como uma biblioteca viva, composta por múltiplas vozes que registram uma fé em constante evolução. Seus textos refletem tanto a busca sincera pelo divino quanto as limitações humanas ao tentar compreendê-lo. Muitas passagens expressam avanços significativos na percepção de Deus, enquanto outras revelam retrocessos e contradições que refletem o contexto histórico de sua época.

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Mais do que um livro fechado, a Bíblia pode ser considerada um convite a uma conversa contínua, onde a interpretação e o entendimento se renovam ao longo do tempo. Essa leitura não precisa ser confortável ou linear; pode envolver questionamentos, debates e até indignação diante de certas passagens. A honestidade diante do texto, seja para expressar encantamento ou perplexidade, pode ser um caminho para uma compreensão mais profunda da fé.

Por isso, continuar lendo a Bíblia, mesmo de forma crítica e com consciência histórica, é um ato essencial para quem deseja participar de maneira ativa na construção de uma espiritualidade madura. A narrativa das Escrituras ainda tem muito a oferecer, não apenas como um registro do passado, mas como uma base para diálogos que moldam o presente e influenciam o futuro. Seu impacto continua vivo, e as próximas páginas dessa história ainda estão sendo escritas.

Referência: The Christian Century

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