O que torna uma pessoa espiritualmente impura?

O que torna alguém espiritualmente impuro? Essa questão surge a partir da leitura de determinados trechos bíblicos que apresentam diferentes perspectivas sobre a impureza. Em Levítico 5:2 e Levítico 7:19–21, há instruções que indicam que tocar em algo impuro resulta em impureza. No entanto, em Mateus 15:18–20, há uma mudança na abordagem, onde se afirma que a impureza vem do que sai do interior da pessoa.

No contexto do judaísmo do primeiro século, a distinção entre o puro e o impuro estava associada a regras específicas sobre o que poderia ser tocado ou evitado. A mudança observada nos ensinamentos posteriores sugere uma nova compreensão da impureza, não mais determinada exclusivamente pelo contato físico, mas relacionada ao que é gerado internamente. Essa aparente transformação levanta questionamentos sobre o significado e a redefinição da impureza espiritual.

No Antigo Testamento, há leis que determinam que o contato com certos elementos resulta em impureza cerimonial. Por exemplo, tocar um cadáver implica impureza até o entardecer (Levítico 11:24–25). Da mesma forma, certos animais são classificados como impuros, e qualquer contato com eles também resulta em impureza (Levítico 11:26). Essas normas faziam parte de um sistema que visava separar um povo específico das demais nações e enfatizar um padrão de santidade.

Por outro lado, os ensinamentos registrados no Novo Testamento apresentam a impureza sob uma nova perspectiva. Em Mateus 15:18, afirma-se que “o que sai da boca procede do coração, e isso contamina a pessoa”, indicando que a impureza não se limita a fatores externos, mas está relacionada ao que é produzido internamente. Dessa forma, observa-se uma distinção entre as regras cerimoniais da impureza e um entendimento mais profundo sobre a origem da contaminação espiritual.

A Pureza nos Diferentes Pactos

A interpretação de que, no Antigo Testamento, a impureza era exclusivamente externa, enquanto no Novo Testamento a impureza é apenas interna, não é correta por dois motivos.

Primeiramente, essa comparação contrapõe elementos incorretos. Em vez de contrastar a impureza cerimonial do Antigo Testamento com a impureza moral do Novo Testamento, a diferença está entre a impureza cerimonial do Antigo Testamento e a afirmação de Jesus de que essa distinção não existe mais. Isso é evidenciado em Marcos 7:19, onde se declara que “todas as comidas são puras”.

Isso significa que Jesus não substitui a pureza e impureza cerimonial por um conceito de pureza e impureza moral interna, mas sim elimina completamente a contaminação cerimonial como um requisito. Esse sistema não faz mais parte da comunidade da fé.

Outro equívoco em afirmar que a impureza no Antigo Testamento era apenas externa, enquanto no Novo Testamento é exclusivamente interna, é que a pureza e a impureza internas já estavam presentes no Antigo Testamento. Em ambos os testamentos, há uma dimensão moral relacionada à pureza e à impureza, o que significa que essa distinção não se trata de uma oposição entre o Antigo e o Novo Testamento.

No Antigo Testamento, coexistiam a impureza cerimonial externa e a impureza moral interna. No Novo Testamento, o aspecto cerimonial da impureza é removido, restando apenas a dimensão moral.

Embora essa mudança possa parecer sutil, ela possui implicações significativas. Essas implicações precisam ser analisadas para compreender plenamente a transformação que ocorreu.

O Espírito nos Santos do Antigo Testamento

Essa questão possui uma relevância maior do que pode parecer à primeira vista, pois indica que, ainda no Antigo Testamento, antes da morte de Cristo pelos pecados e antes da manifestação única do Espírito Santo no Pentecostes, tanto a obra redentora da cruz quanto a ação transformadora do Espírito já estavam presentes na vida dos santos daquela época.

Esse aspecto tem implicações significativas para a leitura e interpretação das Escrituras, assim como para a compreensão dos padrões, mandamentos e ilustrações bíblicas. A purificação espiritual interna não era desconhecida no Antigo Testamento, nem era um requisito exclusivo do Novo Testamento. A necessidade de pureza interna já era reconhecida e exigida, além da pureza cerimonial.

O Antigo Testamento apresenta a realidade do pecado original e sua influência na vida humana. No Salmo 51:5, é afirmado: “Eis que nasci em iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe”, demonstrando o reconhecimento de que a corrupção moral tem origem interna. De modo semelhante, Provérbios 4:23 declara: “Guarde o seu coração acima de tudo, pois dele depende toda a sua vida”, um ensinamento alinhado com o que Jesus posteriormente afirmou.

Além disso, a possibilidade de transformação espiritual também é mencionada. No Salmo 51:10, a súplica é feita: “Cria em mim um coração puro, ó Deus, e renova dentro de mim um espírito estável”, evidenciando a expectativa de uma mudança real. O Salmo 24:3–4 reforça essa ideia ao afirmar que quem pode estar na presença de Deus é “aquele que tem mãos limpas e um coração puro”. Essa pureza não era considerada inalcançável, mas possível por meio da oração, arrependimento, perdão e sacrifícios.

O Novo Nascimento Ontem e Hoje

A atuação divina no Antigo Testamento já incluía a transformação dos corações e a condução dos fiéis nos caminhos da retidão, conforme descrito em Salmo 23:3: “Guia-me pelas veredas da justiça por amor do seu nome.” Em 1 Crônicas 29:17–18, há o registro de uma oração em que se expressa a alegria do povo ao oferecer livremente a Deus, acompanhada do pedido para que essa disposição e intenção fossem mantidas em seus corações. Esse mesmo princípio se aplica tanto aos santos daquela época quanto aos dos tempos atuais.

Outro exemplo encontra-se em 2 Crônicas 30:12, onde se afirma que “a mão de Deus esteve sobre Judá para lhes dar um só coração para cumprirem as ordens do rei e dos príncipes, segundo a palavra do Senhor.” Isso demonstra que a ação divina influenciava diretamente a disposição interior do povo, conduzindo-os à confiança e obediência.

Essa realidade também ajuda a compreender a surpresa de Jesus ao falar com Nicodemos, conforme registrado em João 3. A exigência de um novo nascimento para ver o Reino de Deus já era uma realidade no Antigo Testamento. Os fiéis daquela época experimentavam a presença e o governo de Deus, vivendo em santidade diante Dele.

A incapacidade humana de superar a incredulidade e a dureza de coração sempre exigiu a intervenção soberana do Espírito, independentemente do período histórico. Isso se aplica tanto a milênios atrás quanto ao presente. Em João 3:7, Jesus afirma: “Não se admire de eu ter dito: ‘Vocês precisam nascer de novo’.” Quando Nicodemos questiona essa afirmação em João 3:9, a resposta de Jesus sugere espanto com a falta de compreensão sobre esse princípio espiritual, algo já presente nas Escrituras.

A transformação espiritual necessária para vencer a condição de morte espiritual nunca dependeu do esforço humano. No passado ou no presente, essa mudança sempre ocorreu por meio da ação divina.

Padrões Antigos para os Dias Atuais

Fica evidente que essa questão envolve implicações mais profundas do que pode parecer inicialmente. A fé genuína, a obediência fundamentada na fé e a santidade real estavam presentes na vida dos santos do Antigo Testamento. De acordo com Romanos 8:7, essas qualidades não poderiam existir sem a obra futura de Cristo na cruz, cujo efeito foi aplicado retroativamente, e sem a atuação do Espírito Santo, que operava para vencer a inclinação pecaminosa.

Dessa forma, ao ler declarações nos Salmos sobre amor sincero por Deus, obediência à sua vontade e deleite em sua palavra, não há necessidade de interpretar tais expressões como algo impossível naquela época. Esses exemplos representam modelos valiosos e inspiradores, servindo como incentivo para buscar um relacionamento com Deus de maneira semelhante.

Referência: John Piper – DesiringGod

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