Nos últimos anos, o debate em torno da homossexualidade à luz da Bíblia tem ganhado destaque, especialmente em razão de discursos que associam o cristianismo exclusivamente à heterossexualidade e vinculam a comunidade LGBTQ+ a práticas condenáveis.
Em fevereiro de 2023, declarações do Papa Francisco chamaram a atenção ao tratar da criminalização de pessoas LGBTQ+ em diversos países. Segundo relatos, o pontífice afirmou que leis que criminalizam indivíduos com tendências homossexuais são injustas e que todos são filhos de Deus, merecendo respeito, amor e acompanhamento espiritual.
Ainda em 2023, o Papa declarou que pessoas transgênero podem receber o batismo e exercer funções como padrinhos ou testemunhas de casamento, em igualdade com qualquer outro adulto. Em dezembro do mesmo ano, também foi anunciado que a Igreja Católica pode abençoar casais em relacionamentos homoafetivos.
Essas posições reforçam a imagem do Papa Francisco como uma liderança com posturas mais abertas em relação a fiéis LGBTQ+, promovendo uma abordagem pastoral mais inclusiva no seio da Igreja Católica.
Essa postura gerou reações negativas por parte de alguns bispos de alta patente e fiéis em diferentes partes do mundo, especialmente no continente africano.
Entre os críticos, há quem defenda que a abordagem adotada pelo Papa em relação a temas LGBTQ+ representa uma interpretação equivocada das Escrituras. No entanto, essa alegação levanta um questionamento relevante: até que ponto essa interpretação é, de fato, incorreta?
As Escrituras ocupam um papel central na fé cristã. Quando líderes religiosos mencionam “a Bíblia” ou “as Escrituras”, frequentemente se referem ao texto sagrado a partir da compreensão moldada por suas doutrinas teológicas específicas. Ou seja, a leitura bíblica é sempre mediada por uma lente interpretativa adotada por cada tradição religiosa.
Algumas análises acadêmicas indicam que interpretações excludentes da homossexualidade podem estar mais ligadas a influências culturais e estruturas patriarcais do que ao conteúdo original das Escrituras. Nesses casos, busca-se justificar a exclusão por meio de passagens isoladas, desconsiderando o contexto bíblico mais amplo e os princípios de acolhimento e compaixão presentes ao longo da narrativa cristã.
O que a Bíblia diz sobre a homossexualidade?
Diversas passagens bíblicas são frequentemente citadas em debates sobre questões LGBTQ+. Esses trechos têm sido utilizados ao longo do tempo tanto para justificar a exclusão quanto para promover reflexões mais inclusivas, dependendo da forma como são interpretados. A seguir, são apresentados alguns exemplos relevantes sobre como a Bíblia aborda essas questões.
Amor a Deus e ao próximo
No Evangelho de Marcos, presente no Novo Testamento, há três relatos distintos da presença de Jesus no templo de Jerusalém. Na primeira visita, Ele apenas observa atentamente tudo ao seu redor (Marcos 11:11).
Na segunda ocasião, toma uma atitude direta ao expulsar aqueles que compravam e vendiam no templo, virando as mesas dos cambistas e os assentos dos que comercializavam pombas (Marcos 11:15). A ação foi direcionada especialmente contra os que exploravam economicamente os mais pobres que ali se reuniam.
Durante a terceira visita, Jesus permanece por mais tempo no templo (Marcos 11:27–13:2), encontrando-se com os principais representantes religiosos da época: os principais sacerdotes, mestres da lei e anciãos. Esses grupos, segundo o texto bíblico, utilizavam suas interpretações das Escrituras de forma excludente, estabelecendo barreiras ao invés de promover inclusão.
Em contraste, as pessoas comuns (Marcos 11:32 e 12:12) reconheciam em Jesus uma mensagem de acolhimento. Sua presença no templo era bem recebida por aqueles que percebiam que Ele anunciava um evangelho voltado à inclusão.
No capítulo 12, versículo 24, Jesus responde aos saduceus — grupo identificado com uma teologia conservadora e que ocupava posições de liderança religiosa. Ao serem questionados, Jesus afirma: “Não é por isso que vocês estão enganados, por não conhecerem as Escrituras nem o poder de Deus?” Essa declaração indica que, ao se apegarem a uma leitura rígida e tradicionalista das Escrituras, esses líderes restringiam a compreensão do poder divino e negavam interpretações mais amplas ou renovadas.
Essa oposição entre exclusão e acolhimento se intensifica quando Jesus é abordado por um escriba (Marcos 12:28). Ao responder qual seria o mandamento mais importante, Ele resume sua proposta ética e teológica com dois princípios fundamentais: amar a Deus e amar ao próximo (Marcos 12:29–31). Essa síntese revela a essência de sua mensagem — uma espiritualidade centrada na compaixão, na justiça e na inclusão.
Inclusão, não exclusão
Algumas interpretações que visam excluir pessoas homossexuais do Reino de Deus recorrem principalmente ao Antigo Testamento, especialmente à narrativa da destruição das cidades de Sodoma e Gomorra em Gênesis 19. No entanto, essa passagem é muitas vezes interpretada de forma equivocada como uma condenação da homossexualidade. O foco do texto, na realidade, é a hospitalidade — ou a ausência dela.
A narrativa começa em Gênesis 18, quando três visitantes — Deus e dois anjos, apresentados como “homens” — aparecem a Abraão. Diante deles, Abraão e sua esposa Sara demonstram hospitalidade, acolhendo os visitantes com generosidade.
Na sequência, os dois anjos seguem para Sodoma (Gênesis 19:1), onde são recebidos por Ló, sobrinho de Abraão. Ló também os acolhe com hospitalidade, utilizando-se da mesma linguagem que descreve o gesto de Abraão.
O contraste aparece quando os “homens de Sodoma” (Gênesis 19:4), ao tomarem conhecimento da presença dos visitantes, não demonstram o mesmo acolhimento. Pelo contrário, buscam humilhar os hóspedes e a Ló por meio de uma ameaça de estupro coletivo — um ato que, historicamente, representava uma forma extrema de desonra e dominação, não relacionada à orientação sexual dos agressores.
O fato de Ló oferecer suas filhas virgens aos agressores (Gênesis 19:8), embora moralmente condenável, indica que os homens de Sodoma não eram movidos por desejo homoafetivo, mas sim por um impulso de violência e humilhação. Esse tipo de agressão, praticada por homens contra homens, era conhecido como instrumento de opressão, não como expressão de sexualidade.
O relato, portanto, opõe duas atitudes: a hospitalidade radical de Abraão e Ló frente à completa inospitalidade dos homens de Sodoma. A mensagem central é sobre inclusão e acolhimento ao estrangeiro, não sobre a condenação de relações entre pessoas do mesmo sexo. Abraão e Ló acolhem os visitantes; os homens de Sodoma os rejeitam.
Revestidos em Cristo
Diante da mensagem inclusiva do evangelho de Jesus e de uma leitura cuidadosa da narrativa de Sodoma como um relato sobre hospitalidade, é comum que aqueles que rejeitam abordagens mais acolhedoras, como a do Papa Francisco, recorram a outras passagens bíblicas. Isso geralmente ocorre por conta de agendas influenciadas por estruturas patriarcais que buscam sustentar ideias excludentes por meio de seleções específicas das Escrituras.
No entanto, os textos frequentemente citados também exigem uma leitura atenta ao contexto. Levítico 18:22 e 20:13, por exemplo, não tratam da homossexualidade tal como compreendida atualmente — ou seja, como uma relação afetiva, sexual e amorosa entre pessoas do mesmo sexo. Essas passagens estão inseridas em um conjunto de leis rituais que tratam de pureza e distinções entre grupos étnicos e religiosos, especialmente entre israelitas e cananeus.
No Novo Testamento, em Gálatas 3:28, o apóstolo Paulo apresenta uma visão de comunidade cristã em que não há mais distinção entre judeu e grego, escravo e livre, homem e mulher — pois todos são um só em Cristo Jesus.
A base do argumento de Paulo parte da superação da barreira entre judeus e gentios, e é ampliada para incluir desigualdades sociais e de gênero. Essa lógica pode ser estendida, por coerência teológica, às diferenças de orientação sexual.
Em Gálatas 3:27, o texto afirma que todos os que foram batizados estão “revestidos de Cristo”. Isso significa que, diante de Deus, o que se vê é a presença de Cristo, e não as identidades individuais relacionadas à etnia, condição social, gênero ou sexualidade.
Referência: The Pink News

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