O dízimo — a prática de destinar dez por cento da renda para a igreja — é um tema recorrente em debates teológicos. Embora tenha sido amplamente discutido, o assunto é retomado com a questão: “Uma igreja pode impor o dízimo?”
A questão surge a partir de um debate sobre a expectativa de que líderes religiosos contribuam com dez por cento de sua renda como condição para manterem seus cargos ministeriais. Embora o suporte financeiro à igreja seja reconhecido como um aspecto relevante, há discussões sobre os impactos de tornar essa prática obrigatória, levantando a possibilidade de que a imposição possa ser mais prejudicial do que benéfica.
A argumentação contrária a essa obrigatoriedade baseia-se no princípio de que a verdadeira adoração deve ser motivada pela gratidão e sinceridade, e não por obrigação (2 Coríntios 9:7). Como exemplo, cita-se a prática de Abraão ao entregar o dízimo, que teria sido realizada como um ato voluntário de reconhecimento das bênçãos divinas, e não por imposição humana.
Diante dessas considerações, o entendimento predominante no Novo Testamento aponta que o dízimo não é uma exigência, ao contrário do mandamento “Ame o seu próximo como a si mesmo” (Marcos 12:31). A contribuição financeira na era cristã é apresentada sob uma nova perspectiva, baseada na liberdade e na alegria de ver Cristo glorificado na vida das pessoas, em vez de uma obrigação formal. No contexto do Antigo Testamento, o dízimo estava inserido em um sistema sacerdotal que servia para sustentar os levitas e o templo — uma estrutura que não possui equivalência no cristianismo atual.
Alguns Mandamentos Ainda se Aplicam — Outros Não
Essa questão faz parte de um debate mais amplo sobre quais mandamentos do Antigo Testamento continuam sendo obrigatórios para aqueles que estão em Cristo no Novo Testamento.
Por exemplo, o mandamento “Não matarás” (Êxodo 20:13, KJV) está no Antigo Testamento, assim como Deuteronômio 14:10, que proíbe o consumo de animais sem nadadeiras e escamas, classificando-os como impuros. Dessa forma, segundo essa regra, o consumo de truta seria permitido, mas o de bagre não. Além disso, “Não furtarás” (Êxodo 20:15, KJV) também faz parte dos Dez Mandamentos, assim como Deuteronômio 14:22, que ordena: “Certamente darás os dízimos de todo o fruto da tua semente, que cada ano se recolher do campo”.
No entanto, nem todos os mandamentos do Antigo Testamento continuam obrigatórios no Novo Testamento. Alguns pertencem à lei moral, que está enraizada na própria natureza humana, conforme Deus a criou, e na manifestação do amor e da justiça divina na vida das pessoas. Já outros eram apenas temporários, fazendo parte do sistema sacerdotal e sacrificial do Antigo Testamento — um sistema que perdeu sua validade após a vinda de Jesus Cristo como sacerdote e sacrifício definitivo.
No passado, o povo de Deus era uma nação étnica e política, separada das demais por suas leis e cerimônias. Hoje, no entanto, o povo de Deus não é definido por etnia, mas composto por pessoas de todas as nações. Além disso, não é um regime político separado, mas sim um grupo espalhado por todas as nações, vivendo como forasteiros no mundo. Dessa forma, o que distingue o povo de Deus não são mais as práticas cerimoniais, mas a lealdade a Jesus Cristo e a vivência dos princípios morais baseados em amor e justiça.
Por Que o Dízimo Não é Mais uma Obrigação
Há quatro razões principais para considerar que o dízimo não é um dos mandamentos morais que permanecem obrigatórios para os cristãos.
- O dízimo era um meio de sustento para o sacerdócio levítico
No Antigo Testamento, Deus instituiu o dízimo para sustentar os levitas, que não possuíam herança própria. Em Números 18:21, está escrito: “Aos filhos de Levi tenho dado todos os dízimos em Israel como herança, em recompensa pelo serviço que prestam”. Como o sistema levítico já não existe, o suporte financeiro estabelecido para ele também não se aplica mais. - A morte de Cristo nos libertou da lei do Antigo Testamento
O apóstolo Paulo ensina que, ao morrer com Cristo pela fé, os crentes também morreram para a lei do Antigo Testamento, passando a viver sob um novo princípio: não mais a obediência a códigos legais, mas a vida conduzida pelo Espírito e pelo amor. Em Romanos 7:4,6, ele afirma:
“Assim, meus irmãos, também vocês morreram para a lei por meio do corpo de Cristo, para pertencerem a outro, àquele que ressuscitou dentre os mortos, a fim de que demos frutos para Deus. (…) Agora, porém, fomos libertos da lei, tendo morrido para aquilo a que estávamos sujeitos, para servirmos conforme um novo modo, no Espírito, e não segundo a velha forma da lei escrita.” Essa ideia também é reforçada em Colossenses 2:16-23 e Gálatas 4:10-11, onde Paulo critica aqueles que insistiam em seguir antigas ordenanças da lei, como a observância de festivais e regras alimentares, afirmando que essas coisas eram apenas sombras do que viria, e que a realidade pertence a Cristo. O dízimo, nesse contexto, pode ser visto como parte dessas sombras. - O Novo Testamento estabelece um novo princípio para as ofertas: liberdade e alegria
A generosidade cristã não deve ser motivada por obrigação, mas pela alegria de glorificar Cristo. Esse princípio é destacado em 2 Coríntios 9:6-7:
“Quem semeia pouco, também colherá pouco; e quem semeia com fartura, também colherá fartamente. Cada um dê conforme determinou em seu coração, não com pesar ou por obrigação, pois Deus ama quem dá com alegria.” O detalhe crucial nesse texto é a ausência de qualquer imposição. Nenhuma carta apostólica do Novo Testamento menciona o dízimo como requisito para a contribuição financeira na igreja primitiva, o que seria estranho se essa prática fosse considerada essencial. - O próprio Jesus mencionou o dízimo no contexto da antiga aliança
Em Mateus 23:23, Jesus repreende os fariseus, dizendo:
“Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês dão o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, mas têm negligenciado os preceitos mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade. Vocês deveriam praticar estas coisas, sem omitir aquelas.” Alguns usam esse versículo para argumentar que o dízimo ainda é obrigatório, baseando-se na frase “sem omitir aquelas”. No entanto, Jesus estava falando antes de sua morte e ressurreição, ainda dentro do contexto da lei mosaica. Após sua obra na cruz, a antiga aliança foi cumprida, dando lugar a uma nova realidade espiritual.
Isso é semelhante a Jesus instruindo seus discípulos, em Mateus 5:23-24, a apresentarem suas ofertas no templo, ou dizendo aos leprosos: “Vão, mostrem-se ao sacerdote” (Mateus 8:4). Embora sejam mandamentos, eles não são ordens permanentes, pois estavam vinculados ao sistema da lei do Antigo Testamento. Essas instruções não se aplicam após a era da lei ter sido cumprida pela morte e ressurreição de Jesus.
Dessa forma, tornar o dízimo um requisito para a liderança da igreja é um equívoco. O princípio da liberdade cristã ensina que a generosidade dos crentes deve ser motivada pela gratidão à generosidade abundante de Deus em Cristo, e não por obrigação. Essa motivação pode levar os cristãos a contribuírem até mais do que um dízimo, mas sempre de forma voluntária, pois “Deus ama quem dá com alegria” (2 Coríntios 9:7).
Referência: DesiringGod

Sou Bruna Souza, redatora apaixonada pela Palavra de Deus. Escrevo para inspirar e fortalecer a fé, trazendo reflexões claras e acessíveis sobre a Bíblia. Meu objetivo é ajudar leitores a compreenderem as Escrituras e aplicarem seus ensinamentos no dia a dia, promovendo crescimento espiritual e conexão com Deus.