Como o Livro de Rute é Classificado na Bíblia Hebraica?

A Bíblia Hebraica possui uma estrutura organizacional única, distinta da Bíblia Cristã, e dentro dela, o livro de Rute ocupa uma posição relevante. Mas como o livro de Rute é classificado na Bíblia Hebraica? Para entender essa questão, é necessário explorar sua categorização, seu gênero literário e sua teologia.

A classificação do livro de Rute na Bíblia Hebraica não é arbitrária, mas reflete sua importância dentro do pensamento judaico. Diferentemente da organização cristã, que coloca Rute entre os livros históricos, o cânone hebraico adota um critério mais temático e litúrgico. Isso influencia não apenas a leitura do texto, mas também sua interpretação teológica.

Ao longo deste artigo, mergulharemos nas divisões da Bíblia Hebraica, a posição do livro de Rute no cânone judaico e suas diferenças em relação a outras tradições bíblicas. Além disso, analisaremos o significado da inclusão de Rute nos Escritos (Ketuvim) e o impacto disso na visão judaico-cristã da redenção e inclusão dos gentios.

A Estrutura da Bíblia Hebraica

A Bíblia Hebraica, conhecida como Tanakh, é dividida em três seções principais. Essa estrutura difere significativamente da Bíblia Cristã, que separa os livros em Pentateuco, Históricos, Poéticos e Proféticos. A organização judaica é baseada em uma tradição antiga e reflete a importância de cada categoria dentro da identidade religiosa do povo de Israel.

As divisões do Tanakh não foram estabelecidas ao acaso, mas seguem um critério que envolve tanto a cronologia dos eventos narrados quanto seu valor teológico. A ordem dos livros influencia a maneira como as Escrituras são lidas e entendidas, criando conexões temáticas entre textos que, na organização cristã, podem parecer desconectados. Isso ajuda a compreender por que o livro de Rute se encontra em uma posição específica na Bíblia Hebraica.

Além disso, essa divisão afeta a liturgia judaica. Determinados textos são lidos em momentos específicos do calendário religioso, reforçando sua importância na identidade espiritual do povo judeu. Com isso, fica evidente que a classificação de Rute no cânone hebraico carrega um significado muito mais profundo do que apenas um detalhe acadêmico.

1. Torá (Lei)

Também chamada de Pentateuco, essa seção contém os cinco primeiros livros da Bíblia: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. A Torá é a base da Lei mosaica e central para o judaísmo. Além de narrar a criação do mundo e a formação do povo de Israel, ela estabelece os fundamentos morais e cerimoniais da fé judaica.

A Torá não é apenas um conjunto de textos históricos ou legais; ela representa a revelação de Deus a Moisés e serve como a base de todo o pensamento religioso de Israel. Cada livro dentro dessa seção tem um papel específico: Gênesis trata das origens da humanidade e da aliança de Deus com Abraão, Êxodo narra a libertação do Egito, Levítico detalha as leis sacerdotais, Números apresenta o caminho no deserto e Deuteronômio reafirma a aliança antes da entrada em Canaã.

A importância da Torá na estrutura do Tanakh se reflete no fato de que, para o judaísmo, ela é a parte mais sagrada das Escrituras. Os outros livros da Bíblia Hebraica são considerados interpretações, desdobramentos ou aplicações da Lei, reforçando a posição de centralidade que a Torá ocupa dentro da fé judaica.

2. Nevi’im (Profetas)

Essa seção inclui livros proféticos e históricos, divididos em Profetas Anteriores (como Josué, Juízes, Samuel e Reis) e Profetas Posteriores (como Isaías, Jeremias e Ezequiel), além dos Doze Profetas Menores. Os profetas eram considerados mensageiros de Deus e tinham o papel de chamar o povo ao arrependimento e à fidelidade à aliança.

Diferente da visão cristã, que categoriza os profetas em maiores e menores apenas com base no tamanho dos livros, a Bíblia Hebraica divide essa seção conforme a narrativa histórica de Israel. Os Profetas Anteriores estão mais próximos da narrativa dos livros históricos na Bíblia Cristã, pois relatam os acontecimentos do povo de Israel após a conquista da Terra Prometida.

Já os Profetas Posteriores contêm mensagens direcionadas tanto a Israel quanto às nações vizinhas, muitas vezes com um forte teor escatológico. Essa estrutura demonstra a progressão do plano divino na história de Israel, desde sua consolidação como nação até os tempos de exílio e restauração. Assim, a presença de Rute fora dessa seção indica que seu propósito não é estritamente profético, mas está mais alinhado a uma teologia de esperança e redenção.

3. Ketuvim (Escritos)

O Ketuvim, ou “Escritos”, é a terceira divisão da Bíblia Hebraica e inclui uma diversidade de gêneros literários, como sabedoria, poesia e narrativa histórica. Dentro dessa seção está o livro de Rute. Essa categoria é a mais variada em termos de estilo e conteúdo, englobando desde os Salmos e Provérbios até histórias como Rute e Ester.

Os livros do Ketuvim não seguem um critério cronológico rigoroso, mas são agrupados de acordo com sua função na vida religiosa e litúrgica de Israel. Enquanto os Salmos eram usados na adoração no Templo, os livros de sabedoria, como Provérbios e Eclesiastes, forneciam diretrizes para a vida cotidiana. Já as narrativas, como Rute, Ester e Esdras, reforçavam temas de fidelidade e restauração.

Ao classificar Rute no Ketuvim, a tradição judaica enfatiza seu papel dentro da identidade do povo de Deus. O livro não apenas conta uma história pessoal, mas também ilustra verdades teológicas fundamentais sobre redenção e pertencimento, especialmente em relação aos gentios que desejavam fazer parte do povo de Israel.

A tabela abaixo resume essa estrutura:

SeçãoSignificadoLivros Principais
ToráLei (Instrução)Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio
Nevi’imProfetasJosué, Juízes, Samuel, Reis, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Profetas Menores
KetuvimEscritos (Poéticos e Históricos)Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Jó, Lamentações, Rute, Ester, Esdras, Neemias, Cânticos dos Cânticos

Como o Livro de Rute é Classificado na Bíblia Hebraica?

Na Bíblia Hebraica, o livro de Rute está incluído dentro do Ketuvim, mais especificamente na coleção chamada Megillot (Rolos). Essa inclusão coloca Rute ao lado de outros textos que desempenham um papel importante na liturgia judaica, sendo lidos em momentos específicos do calendário religioso.

A colocação de Rute nos Escritos também sugere um enfoque diferente daquele da tradição cristã. Enquanto na Bíblia Cristã o livro está inserido na seção histórica, entre Juízes e Samuel, na Bíblia Hebraica sua posição enfatiza sua conexão com a identidade e espiritualidade do povo judeu. Essa categorização permite que o livro seja lido sob uma perspectiva mais ampla, destacando não apenas sua narrativa, mas também seus temas teológicos e litúrgicos.

Além disso, o fato de Rute estar entre os Megillot reforça sua relação com as festividades judaicas. Cada um desses rolos era lido em uma ocasião especial, e no caso de Rute, a associação com Shavuot ressalta a conexão entre a colheita e a providência divina, assim como a inclusão dos gentios no plano de Deus.

O Gênero Literário e a Teologia do Livro de Rute

O livro de Rute é uma narrativa histórica, mas com características que o diferenciam de outros textos semelhantes na Bíblia. Ele combina elementos de literatura sapiencial, romance teológico e tradição genealógica, tornando-se um texto rico em significado tanto para a teologia judaica quanto para o cristianismo.

Gênero Literário do Livro de Rute

O livro de Rute pertence ao Ketuvim (Escritos) e, dentro dessa seção, é categorizado como uma narrativa curta e poética. Seu estilo é marcado por diálogos significativos e uma estrutura bem definida, que envolve a crise (fome e perda), o desenvolvimento (lealdade e esperança) e a resolução (redenção e descendência messiânica).

Elementos do Gênero Narrativo de Rute

  • História de personagens reais: O livro se passa durante o período dos Juízes, trazendo um relato de pessoas comuns, mas com implicações teológicas profundas.
  • Desenvolvimento de personagem: A transformação de Rute, de uma viúva moabita a uma ancestral do rei Davi, é um exemplo poderoso de redenção e inclusão.
  • Uso da repetição e do paralelismo: Como na literatura sapiencial, há um jogo de repetições que reforça a mensagem teológica do livro.
  • Finalidade teológica e didática: Além de narrar uma história, Rute ensina sobre fidelidade, providência divina e inclusão dos gentios na aliança de Deus.

A Teologia do Livro de Rute

O livro de Rute não é apenas um registro histórico, mas um texto carregado de significados teológicos. Alguns dos temas centrais incluem:

1. Redenção e o Papel do Goel

A palavra hebraica goel (גּוֹאֵל) significa resgatador, e Boaz desempenha esse papel ao casar-se com Rute. Essa figura aponta para um conceito maior na teologia bíblica: Cristo como o Redentor da humanidade.

2. Inclusão dos Gentios no Plano de Deus

Rute era moabita, e pela tradição judaica, os moabitas eram excluídos da congregação de Israel (Deuteronômio 23:3). No entanto, sua inclusão na linhagem de Davi mostra que Deus acolhe aqueles que demonstram fé e obediência.

3. O Papel da Mulher na História da Salvação

Diferente de muitos textos bíblicos em que os homens são os protagonistas, Rute é uma das poucas mulheres que tem um livro inteiro dedicado à sua história. Sua fidelidade a Noemi e sua atitude proativa garantem seu lugar na linhagem messiânica.

Diferença Entre o Livro de Rute e Ester

O livro de Rute e o livro de Ester são frequentemente comparados por serem duas das cinco Megillot, ambas com protagonistas femininas e abordando temas de providência e redenção. No entanto, há diferenças essenciais entre os dois textos.

AspectoRuteEster
Localização TemporalPeríodo dos JuízesImpério Persa
ProtagonistaRute, uma moabita fiel a NoemiEster, uma judia em um contexto político
Tema CentralRedenção e inclusão dos gentiosProvidência divina e salvação do povo judeu
Intervenção Divina ExplícitaSimNão (Deus não é mencionado diretamente)
ÊnfaseUnião familiar e redenção por meio do casamentoEstratégia política e preservação nacional

A principal distinção está no uso da narrativa: Rute foca no cotidiano e na fé individual, enquanto Ester trata de um contexto político maior. Além disso, Deus é diretamente mencionado e atuante em Rute, ao contrário de Ester, onde Sua presença é percebida indiretamente.

O Casamento de Boaz e Rute: Um Ato de Redenção

Por que Boaz Casou com Rute e Não com Noemi?

Boaz seguiu a lei do resgatador (goel), que estabelecia que um parente próximo deveria casar-se com a viúva para manter a linhagem familiar. Noemi era idosa e, portanto, não poderia gerar herdeiros. Como Rute era a viúva de Malom, filho de Elimeleque, cabia a ela a posição de esposa do resgatador.

Além disso, o casamento de Boaz e Rute simboliza a redenção espiritual de Israel e a futura vinda do Messias. Rute, uma gentia, sendo integrada ao povo de Deus, reflete o plano divino de incluir todas as nações na aliança.

A Morte de Elimeleque: Causa e Contexto

O livro de Rute menciona a morte de Elimeleque, marido de Noemi, mas não detalha a causa. Algumas interpretações sugerem que sua morte está ligada ao fato de ter saído de Belém (Casa do Pão) para Moabe, uma terra pagã. Essa ação pode ser vista como um afastamento do propósito divino.

Seus filhos, Malom e Quiliom, também morrem, deixando Noemi sem descendência. Isso reforça o tema da redenção, pois a história se desenrola em busca de restauração por meio de Rute e Boaz.

Conclusão

O livro de Rute é classificado na Bíblia Hebraica dentro do Ketuvim (Escritos), fazendo parte das Cinco Meguilot e sendo lido no Shavuot. Seu gênero literário combina história e teologia, destacando temas como redenção, fidelidade e inclusão dos gentios no povo de Deus.

Além disso, a comparação com Ester demonstra como Rute desempenha um papel fundamental na linhagem messiânica, sendo ancestral do rei Davi e, posteriormente, de Jesus Cristo.

A classificação do livro de Rute na Bíblia Hebraica não é apenas um detalhe acadêmico, mas um aspecto crucial para entender sua mensagem e impacto dentro do cânone judaico e cristão.

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