Todo mês de fevereiro, o Mês da História Negra convida à reflexão sobre como o passado racial de uma nação influencia o presente, destacando os impactos persistentes da injustiça racial e a necessidade de reformas sistêmicas, tanto na sociedade quanto na igreja.
O conceito de pecado sistêmico se refere à ideia de que o pecado humano não se limita apenas às ações individuais, mas também pode se manifestar em comunidades, governos, nações, culturas e outras instituições sociais. Dessa forma, o chamado ao arrependimento e à justiça não se restringe à moralidade pessoal, mas se estende a sistemas mais amplos. Isso implica que a responsabilidade não é apenas individual, mas também coletiva, exigindo o enfrentamento do racismo em nível estrutural.
O teólogo José Ignacio González Faus afirma que “quando os seres humanos pecam, eles criam estruturas de pecado que, por sua vez, fazem com que os seres humanos pequem.” Assim, na medida em que leis podem refletir a injustiça, há uma responsabilidade em se opor a elas e trabalhar pela construção de sistemas mais justos. Embora esse princípio não devesse ser motivo de controvérsia, muitos que defendem legislações contra o aborto ou em favor da liberdade de expressão e religião frequentemente rejeitam a discussão sobre o pecado sistêmico.
Uma objeção comum ao conceito de pecado sistêmico é a alegação de que ele não é mencionado na Bíblia. De acordo com essa perspectiva, a definição bíblica de pecado estaria estritamente ligada às escolhas e responsabilidades individuais, sem relação com sistemas e leis.
Alguns críticos afirmam que ideias como pecado sistêmico e racismo institucional são contrárias à Bíblia, pois atribuir culpa a sistemas, instituições ou comunidades enfraqueceria o princípio central da doutrina cristã do pecado: a responsabilidade pessoal. No entanto, uma análise mais aprofundada sugere uma conclusão oposta. Não apenas há referências ao pecado sistêmico nas Escrituras, como a responsabilidade por ele pode ser ainda maior do que se apenas os indivíduos fossem considerados culpados.
No Antigo Testamento, há diversos exemplos em que não apenas indivíduos, mas comunidades inteiras são responsabilizadas por sua conduta pecaminosa. Nessas passagens, a culpa coletiva não reduz, mas amplia a necessidade de responsabilidade. Esse conceito também aparece no Novo Testamento, onde o apóstolo Paulo apresenta uma dimensão relacional na forma como as primeiras comunidades cristãs lidavam com o pecado.
Na tradição hebraica, o pecado era frequentemente tratado como uma questão comunitária, mais do que apenas um problema individual. Muitas passagens bíblicas abordam o pecado como algo que afeta toda a comunidade israelita, influenciando a vida de cada indivíduo dentro dela. O estudioso do Antigo Testamento Mark Boda afirma que “o pecado, juntamente com sua culpa e punição, é compreendido em termos de solidariedade corporativa.”
Os profetas frequentemente condenavam nações inteiras por sua pecaminosidade e mencionavam os pecados das gerações anteriores para explicar a corrupção moral do povo de sua época. Israel, por exemplo, é condenado como nação por cometer injustiças contra os oprimidos, mesmo que alguns indivíduos não tenham participado diretamente dessas ações.
Há diversos exemplos bíblicos que ilustram essa responsabilidade coletiva. Em Êxodo 32, Deus condena toda a nação de Israel pela adoração do bezerro de ouro, apesar da oposição dos levitas. Mais tarde, em Números 14, permite que Israel vague pelo deserto por uma geração inteira como consequência de sua falta de confiança n’Ele, mesmo que Calebe e Josué tenham permanecido fiéis. Em 1 Reis 19:14–18, Elias lamenta a maldade de Israel, e Deus o lembra de que sete mil ainda permanecem fiéis. No entanto, nos capítulos seguintes (1 Reis 20:42; 21:21–24), Deus continua a anunciar juízo sobre Israel como um todo.
O arrependimento pelos pecados nacionais também é apresentado na Bíblia como uma atividade comunitária, e não apenas individual. Em Neemias 1:6, o profeta faz uma oração de arrependimento pelos pecados da nação e das gerações anteriores. Mais adiante, em Neemias 9:2, Israel responde com um arrependimento coletivo. Da mesma forma, em Daniel 9:16, Daniel intercede a Deus confessando os pecados de Israel, tanto os do presente quanto os cometidos pelas gerações passadas. Esses exemplos mostram que, aos olhos de Deus, o problema não se limita às ações individuais—toda a nação é considerada responsável e chamada ao arrependimento para corrigir seus erros.
Essa ideia é especialmente evidente no episódio de Acã, descrito em Josué 7. Após a conquista de Jericó, Acã desobedece à ordem divina e toma despojos para si. Quando os israelitas avançam contra a cidade de Ai, descobrem que a proteção do Senhor não está mais com eles. Diante dessa derrota, Josué clama a Deus, que responde: “Israel pecou; violaram a minha aliança” (Josué 7:11). Deus não aponta apenas para Acã, mas responsabiliza toda a comunidade pelo pecado cometido. Somente após o povo consagrar-se, destruir os bens roubados e aplicar a punição à família de Acã, a ira divina se afasta da nação.
O que esse relato revela sobre a natureza do pecado? Ele reduz a responsabilidade de Acã? Certamente não. Acã ainda é identificado como aquele que tomou os despojos e despertou a ira divina—ele e sua família sofrem as consequências diretas da transgressão. No entanto, a culpa não se restringe a ele. Israel como um todo é considerado responsável por ter permitido a violação da aliança, o que sugere que a dimensão comunitária do pecado não anula, mas se soma à responsabilidade individual.
Uma das razões para essa responsabilidade comunitária está na estrutura social e institucional da vida israelita. Israel, como povo, estava em aliança com Deus, e qualquer violação dessa aliança por um indivíduo afetava toda a comunidade. O pecado não era apenas uma questão pessoal (embora também o fosse), mas um problema coletivo. Os pecados individuais impactavam o grupo, tornando o pecado uma questão comunitária.
No entanto, pode-se argumentar que essa era a realidade do Antigo Testamento. Com a vinda de Jesus, a aliança mudou de um pacto entre Deus e Israel para um relacionamento pessoal com Cristo. Isso significaria que agora basta focar apenas nos próprios pecados, e o conceito de pecado sistêmico estaria ausente no Novo Testamento. Mas essa conclusão não é correta.
Na verdade, as cartas de Paulo enfatizam ainda mais as dimensões comunitárias do pecado. Quando ele repreende indivíduos por seus erros, sua preocupação não se limita apenas a eles, mas também ao impacto dessas falhas na justiça da comunidade como um todo.
Paulo adverte congregações inteiras por pecados que se espalham na comunidade, como a forma injusta com que cristãos judeus tratavam os convertidos gentios. Quando algumas igrejas davam preferência àqueles de origem judaica e tratavam os gentios como crentes de segunda classe, Paulo repreendia essas congregações, chamando-as a viver sem parcialidade e a corrigir os relacionamentos distorcidos entre os membros (Gálatas 2).
A compreensão de Paulo sobre o pecado como um problema comunitário exige que, nas palavras de Esau McCaulley, seja necessário ir “além da nomeação”. McCaulley acrescenta: “Tem que haver alguma visão de correção das injustiças e restauração dos relacionamentos. O chamado para ser pacificadores é um chamado para que a igreja entre no mundo complexo da política e aponte para uma maneira melhor de ser humano.”
Por esse motivo, Paulo adverte que os indivíduos podem se tornar instrumentos de injustiça, mesmo que não participem ativamente de um pecado específico. A passividade diante do pecado também é uma forma de culpa. Em Romanos 6, ele não apenas instrui os fiéis a evitar o pecado, mas os exorta a não permitir que ele reine em seus corpos ou controle qualquer parte de suas vidas (vv. 12–13). Isso indica a necessidade de resistência ativa contra o pecado, e não apenas sua simples evitação. Um exemplo claro disso está em Gálatas 2:11–14, quando Paulo repreende Pedro por sua omissão na defesa da inclusão dos gentios, apesar de ter sido um dos primeiros a apoiá-la. O chamado à santidade para as igrejas não se limita à abstenção do pecado, mas inclui a responsabilidade de combatê-lo dentro da comunidade. Ser passivo diante do pecado é permitir que o inimigo use essa passividade para perpetuar a injustiça.
Outro exemplo aparece quando Paulo repreende a igreja de Corinto por tolerar um caso de imoralidade em que um homem havia se relacionado com sua madrasta. Em 1 Coríntios 5:1–2, ele não se dirige apenas aos envolvidos no pecado, mas responsabiliza toda a congregação por não lidar com a situação.
Em Gálatas 6, Paulo aconselha a igreja a restaurar aqueles que caíram em pecado com brandura, conduzindo-os ao arrependimento, mas adverte sobre o risco de serem influenciados pelo mesmo erro. Ele então faz uma afirmação significativa: “Levai as cargas uns dos outros e, assim, cumprireis a lei de Cristo” (v. 2). Da mesma forma, em Romanos 14, ele ensina que a reconciliação exige que certas liberdades sejam voluntariamente renunciadas para não prejudicar irmãos e irmãs mais frágeis na fé.
Em ambos os casos, fica claro que Paulo está preocupado com o impacto coletivo dos pecados individuais, tornando toda a comunidade responsável uns pelos outros.
Diante disso, qual deve ser a resposta cristã à injustiça racial sistêmica? Significa que, sempre que o racismo for identificado dentro das igrejas e comunidades, ele deve ser tratado como um problema que afeta toda a coletividade, e não apenas os indivíduos diretamente envolvidos.
Afinal, foram necessárias gerações para criar e sustentar sistemas inteiros de leis, economia e cultura baseados no comércio transatlântico de escravizados. Isso demonstra que o racismo não é apenas uma questão individual, mas também um reflexo de sistemas pecaminosos criados por pessoas pecaminosas. Assim como Paulo trata um caso de imoralidade sexual como um problema da comunidade, o preconceito racial também deve ser reconhecido como um sintoma da passividade diante de sistemas injustos.
Qual seria, então, a solução judaico-cristã para um pecado sistêmico como o racismo?
Quando os profetas repreendem Israel por negligenciar os pobres, a solução apresentada é o retorno à obediência à lei de Deus. Isso incluía práticas comunitárias, como deixar as extremidades dos campos sem colheita para que os pobres e estrangeiros pudessem recolher alimento da abundância dos outros (Levítico 23:22).
Da mesma forma, quando Paulo adverte as congregações por permitirem que o pecado se espalhe em suas comunidades, sua solução é que os cristãos assumam a responsabilidade por seus irmãos mais fracos, ajustando práticas sociais para evitar que se tornem tropeços para outros. Em um caso específico, isso resultou na proibição coletiva do consumo de carne sacrificada a ídolos, a fim de evitar que aqueles com consciência mais sensível fossem levados ao pecado (1 Coríntios 8:9–13). Assim, Paulo prescreve uma solução comunitária para interromper a propagação do pecado.
Problemas comunitários exigem soluções coletivas. Enfrentar pecados sistêmicos, como o racismo, vai além de lidar apenas com preconceitos individuais; requer mudanças nas estruturas sociais e eclesiásticas que perpetuam essas injustiças.
Como Esau McCaulley destaca: “Segundo Isaías, a verdadeira prática da religião deve resultar em mudanças concretas, na quebra de jugos. Ele não está se referindo a atos esporádicos e individuais de libertação, mas à necessidade de ‘romper as correntes da injustiça’. O que isso poderia significar, senão a transformação das estruturas sociais que aprisionam pessoas na desesperança?”
A negligência em lidar adequadamente com pecados sistêmicos dentro das igrejas é comparável à passividade de Pedro diante do conflito entre judeus e gentios. Quando questões comunitárias não são enfrentadas, elas se intensificam e se tornam problemas ainda maiores. Nessa omissão, corre-se o risco de se tornar, nos termos de Paulo, instrumentos de injustiça (Romanos 6:13).
O chamado cristão para enfrentar o pecado sistêmico não se limita às igrejas. Tanto Paulo quanto os profetas não se restringiam a denunciar os erros de suas próprias comunidades tementes a Deus, mas também expunham os pecados das sociedades ao redor. Os profetas condenavam nações inteiras por sua exploração dos pobres, e Paulo criticava as práticas pecaminosas da cultura que cercava as primeiras igrejas. Da mesma forma, sempre que a igreja testemunha injustiça sistêmica contra grupos marginalizados, deve levantar sua voz profética e denunciá-la pelo que realmente é: pecado.
É necessário conclamar a sociedade ao arrependimento de suas estruturas racistas e exigir mudanças nos sistemas que permitem que essa injustiça continue existindo. Qualquer postura diferente disso se torna passividade, e as igrejas correm o risco de se tornarem instrumentos que perpetuam a injustiça, em vez de agentes da justiça. Se a igreja deseja verdadeiramente ser as mãos e os pés de Jesus, deve atuar ativamente na resistência ao pecado, tanto dentro quanto fora de suas comunidades.
Mais do que isso, a igreja deve ser reconhecida por agir com justiça, amar a misericórdia e caminhar humildemente com Deus (Miquéias 6:8). Dessa forma, ela convida o mundo a ser transformado pelo amor poderoso de Jesus, assim como seus próprios seguidores foram transformados.
Referência: Christianity Today

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