A Maternidade de Jesus Segundo as Escrituras

Durante a leitura do Evangelho de Marcos, capítulo 3, surgiu uma questão relevante sobre a figura de Maria, mãe de Jesus, e como diferentes tradições cristãs interpretam seu papel. A passagem tem gerado discussões sobre a forma como Maria é vista dentro da fé cristã, especialmente no diálogo entre vertentes protestantes e católicas.

Em contextos de conversa entre cristãos de diferentes tradições, é comum que surjam divergências quanto à posição de Maria na história da salvação. Um ponto frequente de debate é a doutrina que considera Maria como co-redentora ao lado de Cristo, bem como a prática de orações direcionadas a ela. Por outro lado, textos bíblicos como Marcos 3:31–35 são utilizados como base para destacar que Maria, embora tenha tido um papel singular, é apresentada como integrante da comunidade de seguidores de Cristo, em pé de igualdade com outros discípulos, com ênfase na obediência à Palavra de Deus acima dos laços familiares biológicos.

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A análise desse texto pode, portanto, contribuir para reflexões sobre a natureza da verdadeira família espiritual, segundo os ensinamentos de Jesus, oferecendo um ponto de partida útil para conversas interconfessionais.

Maria como Mediadora?

O Catecismo da Igreja Católica, em sua segunda edição — introduzida por uma carta do Papa João Paulo II — apresenta uma visão teológica elevada sobre o papel de Maria. No encerramento dessa carta, o pontífice expressa sua confiança de que Maria, celebrada na solenidade de sua Assunção (corpo e alma ao céu), leve a cumprimento desejos voltados para o bem espiritual da humanidade. Esse tipo de dedicação ilustra como a figura de Maria é posicionada como intercessora na espiritualidade católica.

Segundo os parágrafos 966 a 971 do Catecismo, Maria teria cooperado de forma única com a obra redentora de Cristo por meio de sua obediência, fé, esperança e amor ardente. Após sua assunção, acredita-se que ela continue exercendo um papel de mediação, intercedendo pelos fiéis e distribuindo os dons da salvação eterna. Assim, ela é invocada com títulos como Advogada, Auxiliadora, Benfeitora e Medianeira.

Ainda segundo o Catecismo, os fiéis recorrem à sua proteção em tempos de dificuldade, e essa ênfase em sua intercessão está ligada à doutrina da Imaculada Conceição — que afirma que Maria foi preservada de todo pecado original — e à sua exaltação como Rainha de todas as coisas.

Essa perspectiva teológica é objeto de debate entre diferentes tradições cristãs, especialmente quanto à possibilidade de que tal ênfase no papel de Maria possa obscurecer a centralidade da mediação exclusiva de Jesus Cristo na salvação.

Existe uma diferença fundamental entre o entendimento protestante e o católico romano quanto à base de autoridade para a doutrina da Igreja. No protestantismo, a única fonte final e normativa de autoridade é a Bíblia — considerada suficiente para determinar o que deve ser ensinado como verdade. Em contraste, a Igreja Católica Romana adota uma base de autoridade composta tanto pela Bíblia quanto pelo magistério da Igreja, que inclui o papa e os bispos em comunhão com ele.

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Esse magistério não apenas interpreta as Escrituras, mas também é entendido como possuindo autoridade para desenvolver e acrescentar doutrinas ao longo do tempo. Como resultado, ao longo dos séculos, a Igreja Católica tem introduzido ensinamentos adicionais, especialmente sobre Maria, que não se encontram explicitamente nas Escrituras.

Essa distinção na fonte de autoridade é vista como central para compreender por que algumas doutrinas marianas — como sua mediação ou concepção imaculada — foram estabelecidas, e como essas formulações podem levar a interpretações consideradas por outras tradições como desproporcionais em relação à ênfase bíblica na pessoa e na obra de Jesus Cristo.

Maria Segundo Jesus

As Escrituras reconhecem a singularidade de Maria ao afirmar que ela foi escolhida para dar à luz, como virgem, o Salvador do mundo. Esse foi um privilégio extraordinário e, ao mesmo tempo, carregado de sofrimento. Em Lucas 1:42, Isabel declara: “Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre!”, expressão que reflete a honra dada a Maria dentro do contexto bíblico.

Contudo, os Evangelhos mostram que Jesus, assim como o Espírito Santo — cuja missão é glorificar a Cristo e inspirar as Escrituras do Novo Testamento —, orientam os crentes a não adotarem uma forma de exaltação de Maria que vá além dos limites apresentados na própria Bíblia. Um exemplo claro dessa orientação pode ser visto em Lucas 11:27–28. Quando uma mulher do povo exalta Maria por tê-lo gerado e amamentado, Jesus responde: “Antes, bem-aventurados são os que ouvem a palavra de Deus e a guardam.” Essa resposta sugere que há uma bem-aventurança superior: aquela que provém da obediência à palavra de Deus, e não apenas de laços biológicos com o Salvador.

A mesma ênfase aparece em Marcos 3:32–35, onde, ao ser informado de que sua mãe e seus irmãos o procuravam, Jesus afirma: “Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?… Todo aquele que faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe.” Essa declaração reforça que o vínculo verdadeiramente significativo com Cristo é espiritual, baseado na obediência a Deus, e não em relações familiares.

Esses textos mostram que, de acordo com os próprios ensinos de Jesus, a verdadeira bem-aventurança está em seguir a vontade de Deus, independentemente de conexões familiares, incluindo aquelas com Maria. Essa perspectiva contrasta com interpretações que atribuem a Maria um papel de mediação ou de especial autoridade espiritual além do que é descrito nas Escrituras.

O Legado Limitado de Maria

Algumas observações presentes no Novo Testamento ajudam a compreender a forma como Maria é apresentada nas Escrituras e qual é seu papel dentro da fé cristã.

Após sua menção em Atos 1:14, onde é citada como uma entre os 120 discípulos reunidos em oração no cenáculo, Maria não volta a ser mencionada em nenhum outro ponto do Novo Testamento. Nenhuma das epístolas de Paulo, Pedro, João, Tiago, Judas ou o autor de Hebreus faz referência direta a ela. Esse silêncio é significativo, especialmente à luz da posição de destaque que Maria ocupa em certas tradições cristãs.

Em Gálatas 4:4, mesmo em um contexto que trata do nascimento de Cristo, o apóstolo Paulo opta por uma referência genérica, dizendo apenas que Jesus “nasceu de mulher”, sem citar Maria pelo nome.

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Além disso, embora a doutrina do nascimento virginal de Jesus seja afirmada nos evangelhos e tenha importância teológica, ela não é retomada em outras partes do Novo Testamento após os relatos do nascimento, o que também aponta para uma centralidade diferente na teologia apostólica.

As Escrituras apresentam Maria como uma figura notável, com qualidades espirituais profundas: humildade (Lucas 1:48), fé (Lucas 1:45), sofrimento profético (Lucas 2:35), reconhecimento da soberania divina (Lucas 1:51–52) e contemplação das obras de Deus (Lucas 2:19). Ela é, sem dúvida, um exemplo de fé e devoção.

Contudo, o Novo Testamento não a apresenta como objeto de veneração ou intercessão contínua. O foco das Escrituras está na obediência à palavra de Deus como o verdadeiro sinal de pertencimento à família espiritual de Cristo. Em Lucas 8:21, Jesus declara: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a praticam.”

Assim, Maria é lembrada como uma serva fiel, admirada por sua fé, mas seu legado é limitado ao papel que lhe é atribuído nas Escrituras — um papel que aponta para a obediência e humildade como caminhos de verdadeira comunhão com Deus.

Referência: DesiringGod

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